The Souls of Black Folk

Primeira leitura não-ficção do ano!

Já tinha este livro desde o Natal de 2019 mas finalmente ganhei coragem para o acabar de ler e mesmo a tempo de celebrar o African American History Month!

The Souls of Black Folk, foi publicado em 1903 pelo sociólogo, historiador, poeta e activista dos direitos civis W.E.B. Du Bois. Du Bois licenciou-se na Universidade de Fisk e prosseguiu os seus estudos em Harvard, onde se viria a tornar no primeiro doutorado negro.

O autor retrata-nos as condições das populações afro americanas no início do século XX. E, mais de cem anos depois, só podemos pasmar ao ver o quanto o racismo e a desigualdade ainda permeiam a nossa sociedade.

O livro encontra-se dividido em dez capítulos, cada um iniciado por um trecho de uma “Sorrow Song” (ou Spiritual) relacionada com o texto.

They that walked in darkness sang songs in the olden days–Sorrow Songs–for they were weary at heart. And so before each thought that I have written in this book I have set a phrase, a haunting echo of these weird old songs in which the soul of the black slave spoke to men.

Os Spirituals tinham várias funções na cultura dos escravos: preservavam valores culturais, representavam uma forma significativa de expressão pessoal que transcendia as restrições da escravatura e os escravos cronometravam o seu trabalho de acordo com o tempo da música.

Ir para 21:30 para ouvir Spiritual

Comecemos pelo princípio:

Na introdução de Ibram X. Kendi uma citação salta à vista. É de Gomes Eanes de Zurara:

They lived like beasts, without any custom of reasonable beings

É da Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné. E sente-se um certo desconforto em ver uma referência a um português neste contexto. Vergonha. Sim, vergonha, talvez seja a palavra mais adequada.

E numa pequena frase, numa introdução dum livro escrito há mais de um século vemo-nos confrontados com o papel que os portugueses tiveram na colonização e na escravatura. Num livro que parecia não ter nada a ver connosco.

Se há uma coisa que a terrível morte de George Floyd possibilitou, foi que cada um olhasse para o seu umbigo e visse, pela primeira vez, o racismo dentro de portas. Costumamos olhar os EUA e fica pasmados com aquela história de escravatura e segregação, com a maneira como as políticas criminais permitiram perpetuar formas de escravatura e de descriminação e isso cega-nos para outras formas de racismo. Mais subtis. E que existem bem perto de nós.

Navio negreiro português “Diligente” capturado por H.M. Sloop Pearl com 600 escravos a bordo. Aguarela do Tenente inglês Henry Samuel Hawker, Smithsonian, National Museum of African American History and Culture

Du Bois começa por abordar o tratamento arbitrário dos escravos durante a Guerra Civil e dos primeiros passos que se tomaram, após a abolição da escravatura, para organizar e educar os ex-escravos. É notória a resistência dos estados do sul à ideia de um negro livre e educado:

…for the South believed an educated Negro to be a dangerous Negro. And the South was not wholly wrong; for education among all kinds of men always has had, and always will have, an element of danger and revolution, of dissatisfaction and discontent. Nevertheless, men strive to know.

O foco do livro é sobretudo a educação. Du Bois viu com os seus próprios olhos as parcas condições das escolas quando ensinou numa escola rural no Tennessee. E ele próprio, durante a sua experiência universitária em Fisk conheceu o sul intolerante de Jim Crow, da supressão dos eleitores negros (onde é que já ouvimos isto recentemente?) e dos linchamentos.

Thus, then and now, there stand in the South two separate worlds; and separate not simply in the higher realms of social intercourse, but also in church and school, on railways and street-car, in hotels and theatres, in streets and city sections, in books and newspapers, in asylums and jails, in hospitals and graveyards.

Placa do autocarro segregado n.º 351 de Nashville, National Museum of African American History and Culture

Mesmo após a abolição da escravatura, mantiveram-se outras formas de trabalho forçado. As prisões continuam a ser ocupadas maioritariamente por prisioneiros negros de cujo trabalho forçado beneficiam (ver documentário “13th” para aprofundar este ponto):

…the “stockade”, as the county prison is called; the white folks say it is ever full of black criminals, – the black folks say that only colored boys are sent to jail, and they not because they are guilty, but because the State needs criminals to eke out its income by its forced labor.

Du Bois viveu esta intolerância e desigualdade na pele. Num capítulo comovente intitulado “Of the passing of the first-born” o autor conta-nos a morte do seu primogénito. Depois do estado de saúde do menino se agravar, Du Bois não conseguiu encontrar os poucos médicos negros da cidade e os médicos brancos de Atlanta recusaram-se a atender um paciente negro. O menino morreu de difteria com apenas dois anos.

O livro incluiu ainda dois capítulos escritos posteriormente. Em “The Talented Tenth“, Du Bois ressalva a importância do ensino universitário na formação de uma elite afro americana e a importância dessa elite para liderar aqueles milhões de homens e mulheres que ainda há pouco tempo tinham sido libertados da escravatura.

No último capítulo, “The Souls of White Folk“, Du Bois reflecte sobre a colonização e a supremacia branca:

“But what on earth is whiteness that one should so desire it?”

(…)

Everything great, good, efficient, fair and honorable is “white”; everything mean, bad, blundering, cheating and dishonorable is “yellow”; a bad taste is “brown”; and the devil is “black”. The changes of this theme are continually rung in picture, in sermon and school-book, until, of course, the King can do no wrong, – a White Man is always right and a Black Man has no rights which a white man is bound to respect.

O quanto isto ainda é verdade é o mais assustador. É triste que um livro escrito em 1903 continue tão actual mais de um século depois e pelas piores razões.

Nota: 4/5

Seguem recomendações de conteúdos para quem quiser aprofundar o tema.

O óptimo National Museum of African American History and Culture tem imensos recursos e nele podem encontrar a fantástica Amanda Gorman a recitar o poema “Old Jim Crow Got To Go”:

Leituras: “To Kill a Mockinbird”, de Harper Lee; “The God of Small Things”, Arundhati Roy, “Ma Rainey’s Black Bottom”, August Wilson

Documentários: 13th

Activistas/páginas instagram: Rachel Cargle, The Great Unlearn, So You Want To Talk About, Black Book 2020, Stacey Abrams, Rupi Kaur, AfroMary

SOS Racismo

E estes são os que me ocorrem agora, se têm mais recomendações, por favor deixem nos comentários.

Obrigada!