5 lições que aprendi com César

Introdução:

Onde se tenta trazer Caio Júlio César para a blogosfera e para a idade do Insta. (Eu sei que agora é o TikTok que está a dar mas ainda não é desta que faço uma coreografia a explicar a vida de César).

Como parte do meu desafio para 2021 estou a ler tudo o que tenho em casa. A seguir na lista estava uma biografia incrível de César (“César, A Vida de um Colosso”) escrita por Adam Goldsworthy que nunca consegui acabar.

Para começar, do alto das suas 746 páginas (666 do corpo de texto, será que o número foi uma coincidência? MUAHAHAHAHAH) não é a coisa mais fácil de transportar e depois nunca lhe consegui dar a atenção devida para progredir suficientemente rápido no texto. Desta vez adoptei a técnica das 50 páginas por dia e ele voou num instante!

O livro está incrivelmente bem escrito e a leitura flui muito bem. E para vos falar do livro sem resumir a história de César, que toda a gente já conhece, resolvi tornar isto mais digerível e fazer uma coisa tipo “5 cafés que tens de experimentar no Porto” só que versão biografia do romano mais famoso da história.

A ideia era escrever um artigo pequeno, mas entusiasmei-me e isto tá um bocado grande! Se se aborrecerem, leiam só os títulos e vejam o vídeo com o Avelino Ferreira Torres, uma figura mítica da política portuguesa dos anos 90.

Aqui ficam 5 conselhos para a vida baseados na vida de um homem branco que morreu em 44 a.C. Aproveitem que eu não duro sempre! E César já não dura há muito tempo!

1. Constrói pontes.

Literalmente. César evitava andar de barco, em vez disso, se era preciso atravessar um curso de água qualquer, ordenava às suas legiões que construíssem uma ponte:

A tribo oferecia-se agora para fornecer barcos para a travessia do rio, mas o procônsul [César] sentiu que era “demasiado arriscado, e que estaria abaixo da sua própria dignidade e da do povo romano” empregar tal método. Em vez disso, pôs as suas legiões a construir uma ponte.

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Metaforicamente falando, também na vida isto é uma lição importante. César fartava-se de fazer favores a toda a gente e aproveitava cada oportunidade. A ideia era que um dias essas pessoas iriam retribuir quando ele precisasse. A vida pública romana assentava numa cadeia de conhecimentos (agora chamamos-lhe networking) e favores. Claro que isto depois degenerou em coisas como a máfia e O Padrinho (O Poderoso Chefão no outro lado do Atlântico) mas não vamos pensar nisso agora.

Outra coisa tão importante como criar pontes é não dar cabo delas. Em inglês há uma expressão que significa “não queimes as tuas pontes” (“don´t burn your bridges“), ou seja, não destruas relações, amizades ou a tua reputação intencionalmente. Por exemplo, quem nunca teve um emprego que detestou e em que não desse graças aos céus quando se livrou dele? Mas isso não implica que se deva sair a mal ou dizer coisas de que mais tarde nos iremos arrepender só porque naquele momento achamos que nunca mais vamos ver aquela gente e nunca iremos precisar deles para nada. É como aquela frase que passa nas correntes de e-mail (isso ainda existe?) “trata bem quem encontras a subir porque nunca sabes quem vais encontrar a descer”.

2. Comparar-se não faz bem, trabalhar faz melhor.

Estava euzinha a ler a biografia e automaticamente comparei o meu eu de 34 anos com o César de 19, já a comandar legiões espontaneamente para proteger entrepostos romanos no oriente e comecei a pensar no que é que ando a fazer da minha vida. Não que comandar legiões seja uma ambição minha, mas é difícil evitarmos comparações com outros ou até com aquilo que esperávamos alcançar com a idade X.

Fastforward algumas páginas e eis que César, de visita a Cádis enquanto questor do governador Antístio Veto (há que adorar estes nomes romanos!), sente o mesmo:

César terá ficado muito desanimado ao ver uma estátua de Alexandre, o Grande no Templo de Hércules, pois tinha feito tão pouco numa idade em que o rei da Macedónia tinha conquistado metade do mundo.

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Toda a gente sabe que “a galinha da vizinha é melhor que a minha” ou que “the grass is always greener on the other side” e as redes sociais só vieram piorar isso. Principalmente porque temos tendência para comparar o nosso pior com o melhor dos outros e nunca vemos os problemas que possa haver do outro lado da cerca.

Saber que César se comparou a Alexandre numa altura em que ainda não tinha conquistado nada e que se sentiu mal por isso relembrou-me duas coisas:

1 – Se não conseguimos evitar comparar-nos com quem parece ser mais bem-sucedido que nós1, devemos usar isso como motivação para trabalhar mais e não achar simplesmente que já não há nada a fazer porque não comandamos legiões aos 19… (e onde é que eu ia encontrar uma legião se quisesse comandar uma agora?)

2 – Tendemos a olhar para trás como se o sucesso fosse inevitável e se há coisa que Adrian Goldsworthy reforça ao longo do livro é que César não era particularmente especial. Era talentoso, sim, mas não mais que outros romanos da altura. E esteve muitas vezes perto de perder tudo, mas aprendia com os seus erros e isso, aliado a alguma sorte (audaces fortuna juvat!) fez com que conseguisse construir uma carreira de sucesso. E isto leva-me ao ponto seguinte.

3. O sucesso e o fracasso não são inevitáveis.

Temos sempre a tentação de olhar para o passado e achar que era inevitável que Caio Júlio César se tornasse no “César” que hoje conhecemos e isso não é verdade. Não é verdade para César nem para nenhuma outra figura histórica.

Não havia propriamente um clima favorável a que nascesse um “César” em Roma. A república romana tinha nascido precisamente para evitar que um homem ou um pequeno grupo de homens se tornassem demasiado poderosos. E, se não fosse a guerra civil (provocada pelo seu ex-amigo Pompeio) talvez a vida e a fama de César tivessem sido muito diferentes.

Até esse momento, César tinha-se evidenciado como comandante militar nas campanhas na Gália e conseguido algum sucesso mas nada que fosse ficar nos anais da história.

E, mesmo todo esse sucesso, não foi fácil ou linear. César cometeu alguns erros graves (como com os helvécios ou os nérvios) que lhe iam custando a vida. Mas aprendeu com eles e seguiu em frente.

Claro que a sorte dá uma ajuda mas ficar sentado no sofá à espera que a glória bata à porta complica bastante as hipóteses de aparecermos nos livros de história.

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Se aprender com os erros é fundamental, é preciso estar disposto a fazê-los. Sair da zona de conforto. E hoje em dia nem é preciso atravessar o Rubicão. Por outro lado há YouTubes e Whatsapps para imortalizarem todos os pequenos fracassos da vida.

Mas quem não arrisca não petisca.

4. O espírito de equipa pode salvar-te!

Esqueçam os insufláveis e os joguinhos de “team building” no dia da empresa. Enfrentar a morte. Isso sim, cria espírito de equipa e forja os líderes do amanhã!

Não proponho proprimente que jogos de gladiadores substituam os eventos de team building, se bem que alguns já estiveram mais longe disso. Mas o que pude constatar ao ler este belo livro no meu sofá, é que estar perto da morte e lutar pela vida contra um inimigo comum cria um espírito de equipa do caraças.

Também se as coisas correm mal, a equipa desfaz-se mais rapidamente.

Na primeira incursão contra os helvécios César cometeu um erro grave que, por sorte, não significou a morte dos seus homens. Nos “Comentários”2, César culpa o seu subordinado, r a responsabilidade, em último caso, era dele e os seus homens sabiam-no.

Este evento, foi uma grande chamada de atenção para César. Mais uma vez, aprendeu com o erro e na batalha seguinte (Bibracte) deu o exemplo aos seus soldados.

César decidiu que era chegado o momento para um gesto grandioso; desmontou de forma notória e enviou o seu cavalo para a retaguarda (…) para que “todos estejam expostos ao mesmo perigo e para afastar a tentação de fugir”.

Várias vezes, ao longo da sua vida, deu provas aos que o seguiam que não lhes pedia mais do que ele exigia a si próprio:

César conduzia a coluna em marchas de treino e no campo, por vezes a cavalo, mas a maioria das vezes a pé, como qualquer outro legionário. Era um gesto que pretendia mostrar-lhes que não esperava deles nada que ele próprio não fizesse.

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E que punha o seu exército em primeiro lugar:

… para César, ficar ele em perigo era preferível a pôr em risco o seu exército.

Mais tarde, durante a guerra civil, a lealdade dos seus soldados seria decisiva para a vitória de César. E essa lealdade deveu-se à liderança de César.

E não se pense que era assim com todos os comandantes romanos (p. ex., houve imensas deserções nas tropas de Pompeio). Apesar da organização do exército romano, as deserções e traições eram comuns. Ser assassinado pelos subordinados não era propriamente raro. A soma certa de sestércios podia tornar atractivo eliminar um comandante a mando de um rival.

Resumindo: não digo para agora irmos todos para o exército, mas há princípios que podem ser aplicados a qualquer líder, onde quer que ele esteja.

Liderar pelo exemplo e pôr o grupo em primeiro lugar.

Nem é preciso encontrar legionários ou centuriões!

5. A inveja mata.

Podes construir pontes, trabalhar para ser o melhor, seres um líder adorado, mas um grupo de rivais invejosos pode decidir que prefere matar-te a tentar competir contigo/com o teu talento.

Eu sei que posso não ser a pessoa mais imparcial neste tópico. Eu adoro César e os romanos e direito romano e tudo e tudo e tudo. Mas aquilo que lhe fizeram foi uma grande:

e é tudo o que vou dizer sobre este tema.

Conclusão

Espero que tenham chegado até aqui. Tá um bocado grande, mas eu entusiasmo-me a escrever sobre romanos. É a minha cena.

Tenho um fraco por togas candidas3 e direito romano. Um dia ainda hei-de tatuar os tria praecepta iuris4 numa nádega (ou nas duas, não devem caber só numa) e tentar trazer o “roman sexy” back (ler com voz de Justin Timberlake em SexyBack).

1 Sobre esta questão de nos compararmos com pessoas mais bem-sucedidas do que nós sugiro que ouçam o podcast “The Happiness Lab” sobre isto. Estão a perder anos de vida com essas comparações!

2 Commentarii de Bello Gallico (latim para “Comentários sobre a Guerra Gálica”) são textos de Júlio César, divididos em oito volumes, onde ele relata as operações militares durante as Guerras da Gália, que se desenrolaram de 58 a.C. a 52 a.C.

3 Toga candida – toga de um branco imaculado, era envergada pelos candidatos a cargos públicos (os candidati, de onde deriva a palavra candidato)

4 Os três princípios jurídicos fundamentais: honeste vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar os outros) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu)

Ensaio sobre a curgete.

ESTE POST É O RESULTADO DE FALTA DE SOCIALIZAÇÃO CONTINUADA E PODE CAUSAR SENTIMENTOS DE ALIENAÇÃO OU ENFADO EXTREMO.

Sim, vou escrever sobre curgetes. Porque não? Estou há meses em quarentena e distanciamento social, isto começa a afectar a cabeça duma pessoa.. E têm visto as notícias ultimamente? Pra que é que hei-de falar de viagens e livros e do resto? Qual seria o objectivo?

Por isso vou falar de curgetes.

O meu interesse pelo tópico nasceu durante a última quarentena. “Interesse” talvez seja excessivo. Digamos que me deparei com a questão da existência da curgete enquanto estava fechada em casa. E isso incomodou-me.

Como quase todos os portugueses bombardeados nas redes sociais com anúncios de venda de cabazes de legumes online (bio e não bio), cedi e decidi mandar vir um cabaz de frutas e legumes.

O cabaz trazia diversos frutos e legumes e claro, uma curgete. A curgete tornou-se omnipresente na vida dos portugueses.

Enquanto era miúda nem me lembro de ouvir pronunciar o seu nome. (Também podia ser porque eu e os legumes só fizemos as pazes há cerca de 10 anos). Mas agora? Há courgettes, courgetes e curgetes em todo o lado.

O problema começa logo por ninguém saber como se escreve o raio do bicho. É com “ou”? Com dois “tt”?

O dicionário esclarece:

curgete, do francês "courgette": fruto pertencente à família das Cucurbitáceas, a que também pertencem as abóboras, de forma alongada, casca verde e polpa branca ou amarelada, que é colhido e consumido no início do seu desenvolvimento.

Mas voltemos ao cabaz. Fomos comendo tudo e a curgete ficou pro fim.

A minha inquietação com a curgete começou aqui. O que é que eu ia fazer com ela?

Lá decidimos usar a curgete numa tarte mas a tarte ficou bhlaaa. A culpa não era da tarte. Já a tínhamos feito milhões de vezes e fica sempre incrível.

A CULPA ERA DA CURGETE.

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E aqui nasce a minha inquietação.

Porque é que a curgete existe? Já tínhamos a abóbora, o pepino, a cabaça, a melancia… Não me parece que existisse aqui um vacuum que a curgete tivesse de suprir.

E pra que é que ela serve?

Acho que a frase que mais ouço em 2021 quando se fala de sopa é “Ai eu ponho curgete em vez de batata na sopa”. Mas porquêêêêêêê? Que lobby da curgete é esse? E o que é que têm contra as batatas? [Desde que chegou à Europa a batata tem sido vilipendiada, mas bem, deixo isso para outro post. Tenho que tratar da curgete agora].

Ainda há dias a falar com a minha prima M. sobre sopa, ela vira-se e diz “eu ponho curgete na sopa porque eu ADOOROO curgete”. E eu pensei: mas quem és tu??!.

Desabafei com uma amiga e ela disse-me que adora curgete (mais uma na equipa curgete!). A L. contou-me que no Brasil fazem coisas incríveis com curgete. Saladas deliciosas e refogados e mais coisas que me esqueci por causa do meu preconceito contra a curgete.

Mas também, pensei eu, o Brasil não é exemplo. Eles pegam numa coisa banal e transformam-na num fenómeno: futebol, carnaval, as novelas…!

E, por outro lado, “curgete” no Brasil diz-se “abobrinha” e há mesmo uma expressão “falar abobrinha” que significa não dizer nada de jeito. Ora isso não prova o meu argumento? Se um povo que nos deu o quindim e o brigadeiro chama a curgete de abobrinha isso não quer dizer que nem para eles ela tem valor?

A minha cena com a curgete é que aquilo não sabe a NADA. NAADAAA.

O que é que a curgete traz a uma prato?

Sabor? Nope.

Aroma? Nope.

Textura? Nope.

É um fantasma culinário. Está ali mas é como se não estivesse.

Talvez a curgete seja um legume niilista. Ou apenas um vegetal sem metafísica.

E mesmo assim, talvez a curgete tenha em si todos os sonhos do mundo.*

Eu também tenho muitos sonhos. Mas se calhar agora só tenho mesmo é falta de sono.

Vou ali dormir um bocado e vocês deviam fazer o mesmo porque estão a ler sobre curgetes!

Bom domingo a todos!

*Viram o que é que eu fiz aqui? Se não viram, ide ler a “Tabacaria” do Álvaro de Campos.