Mergulha na Fantasia!

IDEIAS PARA NÃO PERDER O JUÍZO DURANTE A QUARENTENA (E QUE TAMBÉM RESULTAM NO RESTO DO ANO)

Muitas vezes ao longo da minha existência a fantasia salvou-me. Bruxas e cavaleiros, druidas e dragões mostraram-se companheiros infalíveis. Arrastavam-me para mundos fantásticos para onde os meus problemas não me podiam seguir. Mas isso não queria dizer que a vida lá fosse mais fácil.

Havia desafios incríveis, feitiços e batalhas e nem sempre o bem triunfava. Mas quase tudo é melhor do que lidar com as angústias existenciais da adolescência!

Comecei o ano a ler ficção, mas o que é que se passa com a ficção que se é boa é sempre triste? Só amores trágicos, pobreza, violência, desigualdade… Chega! Pra desgraça já chega o covid-19 e ter decidido mudar de vida este ano ahahah com a economia em recessão e o povo sem saber se vai poder voltar a viajar como antes! Ahahhah ah ah precisava de um escape antes que os parafusos pifassem de vez.

Discworld & Terry Pratchett

Até que me lembrei que tinha comprado o segundo volume de Discworld e ainda não o tinha lido porque queria reler o primeiro! Para quem não conhece, Discworld é uma colectânea sobre um mundo em forma de disco que assenta sobre quatro elefantes que por sua vez estão em cima de uma tartaruga gigante (Great A’Tuin) que viaja pelo universo. Para onde só ela sabe. Discworld está cheio de feiticeiros, malfeitores, druidas, malas que andam sozinhas e muito humor. Terry Pratchett faz muitos trocadilhos e o universo de Discworls é bastante original e desconcertante.

Para quem queira ter um vislumbre do humor de Terry Pratchett, recentemente foi adaptado para TV o livro “Good Omens” que ele escreveu juntamente com Neil Gaiman. O anjo Azaraphael e o demónio Crowley, ao longo de milénios de convivência na Terra, tornaram-se amigos. E, contra todas as expectativas, gostam demasiado dos humanos e querem impedir que o Apocalipse os destrua… Ao mesmo tempo que tentam com que os seus superiores hierárquicos não dêem por nada!

P.S. O David Tenant faz um Crowley excelente!

Além de Discworld, há muito mais no reino da fantasia. E há muito mais no reino dos livros. Desde que dei os primeiros passos pelas páginas, adorava as aventuras dos cavaleiros da távola redonda. Depois, as Brumas de Avalon. Depois Harry Potter e Senhor dos Anéis. E a par destes, os livros da “Uma Aventura”, o “Triângulo Jota” – de longe os meus preferidos por terem uma Joana e miúdos do Nuuuorte a resolverem mistérios. O Cavaleiro da Dinamarca de Sophia (que só depois de o reler em adulta percebi como cada palavra está no seu lugar e não há uma palavra a mais). O realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez, a prosa mágica de Luís Sepúlveda, a originalidade do Evangelho e dos Ensaios de Saramago, a lucidez e o feminismo de Elena Ferrante… E podia passar o resto do dia nisto.

Há tanto mais pra descobrir. Vá à procura.

Leia, pela sua saúde!

Eu vou lendo pela minha…!

O MINISTÉRIO DA FELICIDADE SUPREMA, Arundhati Roy

Pensei que a minha saga indiana do início de 2020 iria estar concluída com “Heat and Dust”, mas por obra do acaso, ofereceram-me o último livro da Arundhati Roy no aniversário. E ainda bem. Este é o segundo romance da autora 20 anos depois do “Deus das Pequenas Coisas”.

Conta a história de Anjum, Tilo, as Meninas Jebeen (a Primeira e a Segunda), Musa, Saddam Hussein, Naga e Biplab Dasgupta. A história de Anjum é a que parece escrita de forma mais insegura. O percurso de transformação do hermafrodita Aftab na hijra Anjum soa um pouco artificial, a roçar o chavão. Mas no romance entre Tilo e Musa e Musa e a revolução A. Roy mostra toda a sua mestria e inquestionável talento a criar romances de enorme beleza (e de partir o coração).

Os conflitos internos das personagens desenrolam-se num espaço que é ele próprio causa e palco de conflitos. Anjum vive uma guerra indo-paquistanesa dentro dela própria, entre a sua identidade de género e o corpo com que nasceu. Saddam Hussein adoptou este nome porque deseja tornar-se um homem implacável e frio. Musa consegue ser feliz mesmo vivendo no palco da guerra indo-paquistanesa (Caxemira) até que é arrastado para o meio do conflito. Biplab é um espião com dúvidas sobre qual é o lado certo.

A. Roy aborda também a ascensão do nacionalismo hindu, a questão dos intocáveis e do sistema de castas, a desigualdade, os direitos das mulheres e das minorias e outros temas bastante actuais.

Não é um murro no estômago tão grande como o “Deus das Pequenas Coisas”, mas mesmo assim fez-me encolher no meu canto e fugir da realidade num disco voador.

Mais propriamente num mundo em forma de disco que assenta em quatro elefantes que por sua vez estão pousados em cima duma tartaruga gigante que viaja pelo Universo (coff coff o logo desta conta). Adivinharam! Recomecei a ler a saga Discworld do Terry Pratchett! A verdade é que com esta coisa da pandemia uma pessoa já nem pode confiar na ficção para se sentir bem, tem de se mergulhar mesmo a fundo na fantasia e ir para um mundo o mais diferente possível do nosso. Bem, mais ou menos…

Até já e boas leituras!

4/5

A saga do ski. O pimba contra-ataca*.

Estranho voltar ao Tirol agora. Especialmente no mundo pós- (durante) Corona. Fechada na minha caixinha, onde o ski… o que é o ski…? Skuuu… Skaaaa [a bater mal na quarentena]

Foi no Tirol que a saga do ski começou e foi no Tirol, numa estância de ski, que o Covid-19 se espalhou pela Áustria e Alemanha.

Naquele fim de semana de Fevereiro de 2019, nada fazia prever o que aí vinha, mas já não cheirava nada bem. A viagem começou no carro do Ken e isso era sinónimo de uma coisa: chulé intenso. Não que o Ken fosse a causa do cheiro, nada disso. Mas no carro dele iam TODAS AS BOTAS de ski do curso. 40 e tal botinhas a feder a chulé e nós fechados no carro com elas.

Comme d’habitude, começamos por fazer amizade com os skis na T-rope. Eu e a M. tínhamos desenvolvido um grave problema de skipizza** no fim de semana anterior e tínhamos de ser curadas. Ficamos com a Y. o dia todo a tentar livrar-nos da pizza. A fazer smiley hands (virar o corpo e as pontas dos bastões para a linha de queda como se tivéssemos smileys nas mãos), hard pole planking (cravar o bastão com força antes de fazer a curva), rider (colocar um bastão à frente como se segurássemos numas rédeas imaginárias e outro atrás como se chicoteássemos o rabo de um cavalo imaginário com o bastão, não é necessário, mas aconselha-se adicionar uns “yyyyy aaaaaahs” dignos do farwest).

Depois do almoço caiu um nevoeiro medonho. Dava pra ver D. Sebastião vestido de lycra a esquiar montanha abaixo. Mas nós, tal como o rei-soldado-desejado-adormecido não nos amedrontamos com uma neblitazita austríaca e desbastamos aquela montanha. Depois de descermos estoicamente a montanha, a nossa instrutora confessa-nos que estava cheia de medo de nos perder ou de nos magoar-mos por causa do nevoeiro. Humpf! Claramente ela não era feita da fibra portuguesa!

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

Poema “D. Sebastião, Rei de Portugal”, em Mensagem (1934), de Fernando Pessoa
D. Sebastião está algures aqui

E depois: aprèsski. Desta vez havia festa à brava. Música ao vivo! Um palco com um senhor a cantar e duas moças a dançar e a mostrar à multidão como se faz. Como isto se passa na Áustria, uma pessoa espera que a qualidade da música seja muito superior. Afinal é a pátria de Mozart, Schubert, Haydn… Mas digamos que desde que Mozart deixou de deambular por estes lados a música… mudou. E agora em vez de sonatas e sinfonias temos canções sobre… Johnny Depp (?)… e a mãe de Niki Lauda?

Apetece dizer: não havia nexe xi dade zzz. Ouçam e depois digam se não concordam que a televisão portuguesa ao sábado tem muito mais qualidade:

Johnny Depp???
Como se chama a mãe do Niki Lauda? Mama Lauda

Arrependo-me sempre de não ter perguntado a um falante nativo de alemão qual é o trocadilho com esta canção. Porque isto não pode ser uma música inofensiva sobre a mãe do Niki Lauda. Ou será que o problema é do nosso país onde a culinária e a agricultura podem ser temas altamente escaldantes? Não vou descansar enquanto não souber o que significa esta música sobre a mãe do Lauda…

Também não é como se tivesse muita coisa para fazer…

*Sim, estou a usar referências a filmes da Guerra das Estrelas de forma perfeitamente gratuita e sem ter nada a ver. Estou fechada em casa há demasiado tempo, dêem-me um desconto graaaande!

**Skipizza: colocar as pernas abertas em forma de V invertido de maneira a descer a montanha com uma falsa sensação de segurança. Problema: nunca se aprende a descer em condições assim, mas que é confortável e faz suar menos não há dúvidas! Mas a bem do desenvolvimento e progresso há que deixar a zona de conforto longe e pôr as perninhas paralelas.

A Saga do Ski. Episódio IV. Uma nova esperança.

Um novo dia se inicia. No último episódio contei-vos o drama da minha luta contra a encosta e o resultado. Uma semana depois penso que se calhar não devia ter exagerado tanto porque agora tenho de transformar este episódio num comeback incrível, uma coisa ao nível de, sei lá, quase todos os combates do Rocky, e não sei como vou fazer isso. Mas tentemos.

Era um novo dia: a new power was rising. Eu.

Fiquei no grupo do K. Fomos logo para a pista azul. Já não éramos nenhuns be-bés, be-bés (ler ao som de “Já Não Sou Bébé” de Romana).

PIsta azuuuuul!

O K. era muito fixe. Tornava os exercícios mais divertidos e trazia muito bom-humor ao grupo. O que era óptimo porque nós éramos o refugo daquele curso. As criaturas que claramente não tinham nascido para descer encostas de neve graciosamente. Ou descê-las, pronto.

E hoje haveria novamente gravações das nossas performances. A manhã seria passada a treinar a descida do final da pista azul. No final da manhã o Ken ia tirar-nos fotos. (Jesus, o Ken outra vez. E com uma máquina fotográfica!)

Mas isto hoje tava a correr mesmo bem, nada de quedas, tava a conseguir dominar isto. Mas, claro, como o ultimo episódio nos ensinou, isso não é garantia nenhuma. No melhor pano cai a nódoa.

Lá chegou o temido momento, descer a encosta e enfrentar a objectiva do Ken. Na minha cabeça, como em todos os momentos em que preciso de reunir força mental, tocava o “Eye of the tiger“.

E… TRIUNFO! UUUH UUUUH WE DID IT (Sim, eu falo de mim no plural para acomodar as minhas várias personalidades).

Super confiante, continuei a minha caminhada elegante pelas encostas e ainda demos um salto a pista vermelha antes do almoço. E a confiança foi-se outra vez. Raisparta o ski! Além dum desporto de montanha isto é uma montanha-russa de emoções.

* PAUSA PARA ALMOÇO *

Depois do tacho voltámos à pista vermelha. À porcaria da pista vermelha.

O K. tinha muuuuuuita paciência connosco. Nós fartámo-nos de cair naquela pista. Mas ele não desistiu. E mais umas voltas, mais uns exercícios. E agora sem um bastão. E agora sem os dois. E agora sem dentes. Não, não foi o caso. Custou mas lá chegámos.

Depois de descer aquilo tantas vezes, lá engatámos com a coisa. E voilá! Gosto de esquiar! Uuuuh uuuuuh!

Sim, depois deste suspense todo foi isto que aconteceu. Tentei sacar um “Hobbit” e desdobrar este episódio em dois fantásticos episódios. Olhem, não deu.

E agora vou-me embora que tenho uma panela com coronavírus ao lume.

A saga do ski. Episódio III, a vingança dos skiths.

Sim, eu sei… que tudo são recordações… (cfr. Vitor Espadinha)

Não, o que eu queria dizer é: sim, eu sei… este blog anda mais parado que a VCI em hora de ponta. Histórias por acabar, outras que ainda nem começaram (de que vocês não fazem ideia mas eu faço e sei que as estou a procrastinar). Mas vamos ao que interessa.

A saga do ski.

Deixei-vos o relato dos primeiros episódios desta saga (genial na minha opinião) e sei que vocês, queridos leitores, anseiam por mais. (Não mintam. Eu sei)

Passado um ano depois disto ter começado, voltei à pista e sinto que é hora de encerrar este capítulo, pelo menos o relato, porque conto voltar à “cena branca”* muito mais vezes.

No último episódio desta saga, contei-vos como as minhas pernas sofreram terrivelmente por causa das botas. Este novo episódio começa precisamente a tentar resolver isso. Eu e outra criatura que também tinha dói-dóis nas pernocas (mas não tinha admitido a ninguém (#machoman #heróidapista) encontrámo-nos novamente na cave do Ken para encontrar novas botas.

Encontrei rapidamente um par que não me torturava, umas botas lindas, saídas dos anos 80, roxas e brancas – a inveja da Barbie. Uma categoria. As minhas fiéis companheiras de futuros fracassos e sucessos.

E na próxima sexta repetiu-se o ritual. Encontro em Quiddestr., viagem de carro para a Áustria, jantar, paleio, caminha… zzZZZZzzzZZZ

No sábado bem cedo acordámos para este cenário:

E logo logo estava na hora de fazer amizade com os skis outra vez. Recomeçamos na pista dos bebés que, continuo a afirmar, é super íngreme! E depois passamos para a pista do lado porque era hora de usar os BASTÕES!

Oh a alegria!
Finalmente algo a que me agarrar.

Um amigo 
na hora de cair 
e levantar...

Lá passamos a manhã a descobrir como se crava o bastão na neve e quando, e agachar e pular etc, etc & tal. Também repetimos uns Meg Ryans e Monica Lewinskis (já não faço ideia o que era este último mas não devia abonar muito em favor da Monica…)

pista ao lado da dos bebés

Depois passámos para a pista azul. Finalmente uma pista a sério. Com uma gondola e tudo! E assentos aquecidos!

Andámos nesta até ao almoço. O S. deixáva-nos fazer a free run/Schuss** em ski paralelo até meio e depois o resto era ir em frente, benzer-se e rezar. Saltei muitos batimentos cardíacos., mas fui vencendo o medo…

Antes do almoço ainda houve tempo para treinar a descida pro Ken. Depois do almoço ele ia filmar-nos para ver a nossa evolução. Oh yeah, ansiava por ser filmada a esquiar…! NÃO.

* PAUSA PARA ALMOÇO *

(telhado do restaurante)
vista para a pista vermelha

* CONTINUAÇÃO *

REC. A gravar!

Ok, aqui vamos nós. Nós preparámo-nos para isto. O dia está a correr bem. Nada de quedas para já. É só continuar o bom trabalho.

E depois: £§$%€$%?=#@

Caí. No exacto momento em que o Ken estava a filmar. Imortalizado para sempre em VHS: eu a esbardalhar-me lentamente numa pista azul. Depois de ter feito aquela porcaria montes de vezes, sem nódoa. PUMBA.

Estava feito. Acabou-se. Restava-me adormecer a mágoa com glühwein chunga no aprèsski e esperar que o jantar passasse depressa.

Apesar do delicioso frango assado no meu prato, o jantar foi azedado pela visualização dos vídeos.

O Ken passava os vídeos em câmara lenta (como/e) na TV do restaurante e parava muuuuuuitas vezes para dissecar todos os movimentos e dar conselhos. E eu a ver a minha vida a andar pra trás. Só rezava para haver muita gente a cair. Definitivamente não queria ser a única.

Não houve. Mas houve um tipo que não só caiu como também abalroou uma fila de crianças. Uff. Menos mal. A minha não pode ser pior que esta!

E depois chegou a minha vez. O meu vídeo. Eu a deslizar pela montanha (de maneira irrepreensível, achava eu) e o Ken a apontar defeitos. Mesmo antes de eu cair. E eu que achava que me estava a sair tão bem! A queda até já nem era o pior. O pior era a ilusão de ter conseguido dominar aquelas coisas escorregadias.

(Sim, eu sei Vitor… é triste viver de ilusões)

E depois o Ken, ainda a analisar a minha performance videográfica vira-se e diz: “Aquilo ali é medo!”

A SÉRIO KEN? ACHAS MESMO? Me-do? Eu? Eu adoooooooro velocidade! E perder o controlo então?!

Claramente andei a laborar em erro naquela montanha. Aqueles skis idiotas deixaram-me ficar mal. Mas amanhã era outro dia! E a vingança seria gelada.

-10º C pra ser exacta.

*cena branca=neve. Não confundir com cocaína.

**free run: uma descida acentuada na pista que é suposto fazer a toda a brita. As free runs são seguidas normalmente de rectas grandes ou subidas ligeiras para perder velocidade.

Who let the dogs (e os cavalos de madeira) out ?

ATENÇÃO: Este post vai falar de homens vestidos de cão em São Francisco e de meninas que correm com cavalos de madeira pela Finlândia.

Comecemos pelos States.

São Francisco: ponte Golden Gate, Harvey Milk, direitos LGBTQ, tostas de abacate, Silicon Valley. É o que me vem à cabeça quando penso em São Francisco. E a partir de agora: homens vestidos de cachorro a passear pelas ruas. E não são mascotes de nenhuma loja ou marca.

A moda começou no BDSM* e saltou para fora dos quartos. Estes homens colocam máscaras de cachorro, açaimes, coleiras e/ou caudas… e andam em matilhas pela cidade. Até aqui nada de estranho (ahahah). Não, isto não acontece só durante o Carnaval.

Eles identificam-se com a personalidade brincalhona e instintiva dos nossos companheiros caninos, adoptam nomes de cachorro (será que em Portugal isso daria azo a Tejos, Mondegos e Bobis a passear sobre duas patas?) e às vezes usam rugidos e ganidos como forma de comunicação.

Alguns identificam-se com uma raça de cães específica e usam o seu “pup name” (=nome de cachorro”) na “vida real”.

Muitos de vós, leitores atentos, devem estar a esbugalhar os olhos. A pensar que o Apocalipse está mesmo próximo e que o fim vai chegar antes de o aquecimento global lixar isto tudo.

Mas não! Acalmai-vos! Reparem: pessoas a identificarem-se com animais ou os seus poderes já existem desde o início dos tempos – ou pelo menos desde que a caça do mamute foi proibida. No mundo do desporto há muitos clubes que têm por símbolo animais. Uns mais bonitos que outros claro, mas dragões há poucos e o último fugiu de Westeros! E se há quem se disfarce de animal no Carnaval, há quem vista listas de zebras e pintas de leopardo o ano todo.

E nem quero falar das milhentas tribos que invocam o poder de certos animais em rituais.

Mas passemos aos cavalos.

Lembram-se daqueles cavalos de brincar que basicamente consistiam num pau de vassoura e uma cabeça de cavalo em peluche? E se eu disser que há campeonatos de dressage de cavalo de madeira? Onde crianças (e só meninas) executam coreografias montadas num cavalo de madeira, mexendo as pernas como se fossem as do cavalo e mantendo o torso direito como um cavaleiro dum cavalo de carne e osso? Não é mentira, isto acontece na Finlândia.

Começou como uma espécie de sociedade secreta, com discussões online. Mas todas estas crianças/mulheres juntaram-se e hoje em dia há um campeonato nacional, treinadores, alunas e muitos cavalos de madeira a galopar pela Finlândia fora.

No início, algumas praticantes foram vistas como um bocado estranhas. Afinal, que faz uma adolescente a brincar com cavalos de madeira? Balha-me deus. Claramente deve estar possuída por belzebu. A uma delas ate lhe disseram que nunca ia arranjar namorado.

Aparentemente, brincar com um cavalo de madeira não enquadra naquilo que é suposto uma adolescente fazer. A partir do momento em que alguém entra na puberdade deve deixar tudo o que e infantil para trás. Para sempre (ou pelo menos até ter filhos e poder fazer de conta que vai comprar coisas pra eles).

Fico contente que a Finlândia e São Francisco sejam um espaço de liberdade, onde uma pessoa pode fazer o que lhe da na gana, sem magoar ninguém e sem ser chateado.

E voc~e que está a ler isto, deixe os outros andar vestidos como querem e brincar com o que quiserem! Ninguém tem nada a ver com isso. E você faça também aquilo que quer**.

* definição para as crianças que estão a ler o post: Banda Desenhada Sem Maneiras

**respeitando as normas da Constituição da República Portuguesa, as leis e demais disposições do ordenamento jurídico português, os preceitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, etc., etc., etc. E vai ver que mesmo com tanta lei há muito espaço para ser feliz!

* Mas na verdade é Bondage, “Dominance” e SadoMasoquismo

Fontes: https://www.nytimes.com/2019/04/21/world/europe/finland-hobbyhorse-girls.html

DELTA, SAGRES & BENFICA.

Eu adoro o Alentejo. Mas aos meus olhos o Alentejo tem três problemas:

  1. Há muito Benfica. E eu sou da safra de 87, abençoada por aquele Maio de Viena. Da camisola Revigrés de Baía, Paulinho e muita Paciência. Das memórias de Superior Norte e Arquibancada. De noites molhadas de chuva e regadas de golos (como naquela em que o bailado de Mourinho derrotou a squadra de Mancini). Sou do outro espectro da escala cromática.
  2. Há Sagres em todo o lado. E eu nem tenho nada contra a cerveja em si. O problema é que não é Super Bock.
  3. Há Delta em todo o lado. Há muitos anos que eu me auto-diagnostiquei com uma intolerância severa a Delta. O meu estômago tolera apenas lotes muito especiais que não tive o cuidado de apontar, por isso evito Delta simplesmente.

Mas a esta tríade eu oponho uma santíssima trindade de sabores alentejanos:

  1. Os Gémeos
  2. O Alcaide
  3. Taberna Típica Quarta-Feira

Peregrinei a estes três santuários para expiar os meus excessos bávaros. Em jeito de penitência pós-Páscoa. (Sim, depois da Páscoa fui fazer um pequeno roteiro gastronómico ao Alentejo). (Sim, eu gosto de comer). (Sim, eu ando com protector gástrico na carteira).

Os Gémeos. Rio de Moinhos

Primeira paragem da via gastro-sacra. Descobrimos os Gémeos completamente por acaso. Vimos a página do Boa Cama Boa Mesa com uma pequena lista dos pratos deles e, mais ou menos convencidos, lá fomos até Rio de Moinhos. E o resto é história.

Esta era a terceira vez e depois de umas migas de coentros com carne do alguidar, do javali à Gémeos, agora era a vez da sopa de tomate. Desde a primeira vez tinha ficado fascinada por aquela sopa. Um casal de velhinhos ao nosso lado pediu-a e devorou aquele alguidar em menos de nada. Só que estava sempre calor e nunca apetecia sopa. Até agora. Chuva e frio – os astros alinharam-se. Alea jacta est!

E ó meu deus! Depois das entradas de paio e queijo, chega um pratinho com morcela e linguiça frita e logo a seguir o alguidar da sopa e um prato com batatas fritas às rodelas e pão a acompanhar. A sopa sabia ao tomate mais puro. Nada a ver com estas latas de tomate emparelhado com orégãos e a saber a açúcar que servem aqui na Germânia. Além disso ainda tinha bacalhau e dois ovos escalfados lá dentro! E quem diria que sopa de tomate com batata frita a acompanhar fazem um par perfeito? Onde é que vocês andaram quando eu recusava todas as sopas na minha infância?! E a sopa era leve apesar de toda esta catrefada de ingredientes. Eu apenas me controlei nos enchidos que mandei lá pra dentro, mas tudo o resto estava irrepreensível: os ovos e o bacalhau cozidos no ponto. E, por fim, a costumeira mousse de requeijão com morangos. Amén.

O Alcaide. Monsaraz

Altar-mor da planície do Alqueva, onde ensopados de borrego e bochechas de porco são oferecidos em sacrifício pelas sábias mãos da cozinha do Sr. Luís. Desta vez o sacrificado foi o borrego. Aconchegado no prato por fatias de pão e batatas e regado com o seu rico e gordo manto onde coentros nadavam aromaticamente. O borrego estava tenro, as batatas bem cozidas. O pão alentejano recebia-os a todos em comunhão. A sobremesa foi dispensada e só era preciso mesmo um pouco de água benta das Pedras para preparar o estômago para a terceira e última estação.

Taberna Típica Quarta-Feira. Évora

O Gólgota desta aventura. A primeira vez que vim à Taberna fui eu a sacrificada, incumbida de tentar derrotar um cachaço de porco sozinha. A Taberna tem menu fixo (e que muda constantemente) e a minha companheira daquela vez não comia carne de porco. Por isso, quando chegou o prato principal (cachaço de porco preto) ela ficou-se pelos acompanhamentos e eu fiz-me ao bicho. Desta vez, não havia cá riscos desses. O prato seria diferente (por já ter comido o cachaço) e o meu companheiro de aventura é um todo-terreno gastronómico.

Estávamos à mercê do João e do menu maquiavélico que preparara para aquela noite.

Entradas: salada de ananás, tomate cereja e alface com balsâmico e molho de pimentos; ervilhas com ovos escalfados e bacon, cogumelos salteados, empadas de galinha, paio de porco preto, queijo de ovelha no forno, torradas com manteiga e chili, doce de abóbora e chutney de malagueta, pão & tostas. Só isto e o Paulo Laureano já chegava. Estava tudo no ponto!

Depois, o tour de force: porco. Mas não um porco qualquer: rojões à alentejana! Rojões com coentros, batatas, acompanhados de pimentos e beringela grelhados e esparregado à alentejana. Faltam-me as palavras para descrever o manjar e naquela altura já me começava a faltar também a fome!

No intervalo, um corta-palato de limão e depois um trio de sobremesas: o melhor do mundo (bolo de noz), encharcada e brigadeiro (que estava incríííível!). E com a barriga tão cheia de contentamento, esqueci-me de fotografar as sobremesas! Paciência, ficou a fotografia mental e a impressão que deixaram no meu estômago.

Depois destes dias a testemunhar a generosidade e engenho alentejanos à mesa, partimos o pão pela última vez.

Este pão de que vos vou falar não é um pão qualquer. Primeiro não se parece com um pão. É amarelo, coberto por açúcar em pó e parece muito rico pra pão. Depois, quem tiver o privilégio de ver o que esconde, encontrará ovos (muitas gemas e fios), amêndoas, chila e açúcar (claro). É como se as mãozinhas freiráticas tivessem juntado num só todos os doces conventuais portugueses. E com um resultado estupendo. O pão de rala encontra-se em muitos sítios, mas o melhor está no número 47 da rua do Cicioso, em Évora. Este é o único consagrado e abençoado e que vale a pena provar.

E com esta última ceia, estávamos prontos para subir aos céus.

Joana vai à neve. O sku. (ii)

Eu acreditava que a cena das pernas era temporária…

Que durante a noite, milagrosamente, as minhas células se unissem como num anúncio de medicamento e juntas combatessem as pisaduras e regenerassem as minhas canelas. Isso não aconteceu. Quando calcei as botas, mal podia andar. E quando partilhava a minha dor, toda a gente dizia, a marimbar pra dor alheia, que “é normal”, “é sinal que tás a fazer bem os exercícios” “não há nada que a gente possa fazer! AGUENTA BEBÉ! Ahahahah que queridos!

Mas afinal dava pra fazer alguma coisa. O S. desapertou-me as botas com uma chave de fenda e soltou os fechos (coisa que ninguém se tinha lembrado nas outras 24h….). Isso aliviou, mas o estrago estava feito. Os meus queridos ossinhos não estavam contentes.

Começamos a repetir os exercícios de sábado. Tinman, hand granade, as paragens, mijar no poste… e no fim da manhã fizemos uma corrida na pista dos bebés! Esta foi a parte mais divertida! Mas raios, as pernas doíam. Quando parava sentia os ossos a serem estrangulados pelas botas. Acho que foi a única vez em que me doeram as canelas, desde que com 5 anos me esbardalhei na Capicua 303 de Santa Catarina e esfolei as pernas todas nos degraus enquanto escorregava pela loja adentro (os Bolton* teriam gostado do aspecto das minhas pernas depois!). Mas desde esses tempos, eu e as minhas canelas temos tido uma relação bastante pacífica e a maior parte das vezes nem me lembro que elas lá estão. Só quando esbarro em qualquer coisa.

E assim se passou a manhã a tentar ignorar a dor nos ossos.

Depois do almoço, shit just got real (=foi a doer)

Fomos para outra pista, inacreditavelmente íngreme, acessível apenas pela “T-rope”. A T-rope é basicamente uma picareta pendurada numa corda. As picaretas estão penduradas numa corda, a pessoa puxa a picareta pra si e coloca um dos lados abaixo do rabo – e não “debaixo”. Se forem duas pessoas, fica uma de cada lado e agarram-se ao cabo da picareta, que fica no meio das duas.

A T-Rope é uma coisa do demónio. Se uma pessoa cai a meio da pista não consegue subir sozinha (daí haver uma corda a puxar o povo), mas também não consegue voltar pra baixo. Os nossos instructores ensinaram-nos o que fazer não “se” mas “quando” caíssemos, tal era a confiança em nós. Por acaso ninguém caiu. EMBRULHEM!

Na outra pista e ainda sem bastões e, portanto, sem nada onde agarrar, lá tentávamos descer seguindo as coreografias do H. Eu bem tentava levantar e baixar e o caraças mas doíaaaaaaa. O H. bem dizia pra fazer assim e assado e curvar e baixar e levantar mas nada feito. Não conseguia imitar bem os movimentos por causa das dores nas pernas, por isso caía mais vezes. As quedas cansam, doem e geram ainda mais dor – isto tudo criava uma bola de neve (mais neve!) de repetições dolorosas. A meio da tarde encostei pra canto.

Juntei-me aos outros enfermos na box do Rockbar. A moral não andava em alta por aqui: povo com joelhos torcidos, derrotados pelo primeiro fim-de-semana de ski e a Mary. A Mary tem 70 e tal anos e estava a aprender a esquiar, só que durante a tarde ficava cansada e tinha de parar. Desistir à beira da Mary parece mal. Mas a Mary é incrível. Trocámos histórias sobre as nossas maleitas, números de telefone e fiquei com dicas para uma próxima visita a Gales (obrigada Mary!)

O Aprèsski hoje era no Grander Schupf. Para chegar lá é preciso apanhar a gôndola e pra descer vem-se de ski ou sku. Eu e o restante grupo de lesionados fomos de carro. A viagem não foi isenta de aventura, a rua estava completamente entupida de neve e a certa altura havia um carro a descer e o nosso e mais outro a subir – drama, horror & tracção às quatro rodas.

Chegados ao Grander Schupf, fomos recebidos com olhares de pena e comiseração por alguns que tinham continuado a esquiar até ao fim. E por comentário como “a mim também me doía mas não desisti”, “oh meu deus, houve pessoas que vieram de carro!” e #meudeuseunaodesistonuuuunca, #eusouumamaquinadeguerra, etc.

A esta gente, que teve o privilégio de descer a pista de noite e de cu eu relembro as sábias palavras de Ana Malhoa em “Turbinada“:

“Sou uma máquina sim, la máquina de fiesta! SUBELO!”

E agora vou pra casa pôr Hirudoid nas pernas. Até ao próximo fim-de-semana.

*Bolton: se não sabes quem são os Bolton, pesquisa “Guerra dos Tronos”. Se acabaste de revirar os olhos vai ouvir Ana Malhoa. AZUCAR pra ti!

Joana vai à neve. O sku.


Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2019. A noite era fria e cheia de horrores.

Quem me dera! A noite era muuuito quente e eu não conseguia pregar olho. Presa numa quinta em Griesenau, lutava contra o edredão/cobertor/lençol. Uma peça polivalente que provavelmente funcionava melhor quando os alemães não tinham telhado nas casas. Não funciona, DE TODO, quando há: 1 telhado + 5 moças + aquecimento central.

E às 7h tocou o despertador. Pequeno-almoço e toca a ir pra montanha. Mesmo o que me apetecia fazer depois de uma noite de insónia. Mas o ski não espera e o Ken muito menos.

Chegámos a Eichenhof em meia hora. Calçámos as botas, ajudámos a descarregar o material e fomos esperar pelo nosso instrutor. O S. avisou que ia demorar 5 minutos. O pessoal começou a panicar ao ver que os outros grupos já estavam a pôr os skis nos pés E NÓS IAMOS FICAR PRA TRÁS E DEVÍAMOS COMEÇAR A VER COMO ELES FAZIAM E TENTAR PÔR OS SKIS…! (Pequeno esclarecimento: os meus companheiros eram todos maiores de idade). Finalmente o S. lá chegou – mesmo a tempo de evitar um colapso nervoso geral -lá pusemos os skis e começámos a fazer uns exercícios simples: deslizar com os skis, jogos de estafeta e repetir.

(As minhas canelas começaram a sentir uma ligeira pressão).

Depois fomos pra pista dos bebés (sem nós, a média de idades devia andar nos 4 anos). Crianças com skis maiores que elas deslizavam alegremente e sem medo. (Os nossos skis tinham em média 70cm).

Nessa pista assustadoramente inclinada (ERA MESMO MUITO INCLINADA coff coff) começamos por apanhar o “elevador de corda” – esta coisa que se vê aqui em baixo do lado direito onde as pessoas se agarram e depois são puxadas montanha (=lomba) acima. Um dia inteiro agarrado ao raio da corda faz mossa nas mãos e principalmente nos ombros. É horrível ser aprendiz.

Depois de chegarmos lá acima, agarrámo-nos em filinha ao S., todos ensanduichados uns atrás dos outros enquanto ele fazia (e nós não tínhamos opção se não fazer também) sssss até lá abaixo.

Próximo exercício: agarrar um pau de vassoura, o S. no meio e 2 de cada lado a fazer curvas encosta abaixo. Depois o mesmo mas a agarrar a mão do colega do lado.

Depois os instrutores montaram uma espécie de circuito de exercícios. Treino de paragem: deslizar e travar pro lado que o instrutor apontava e, se corresse mal, ser aparado por eles! Uma mini pista de slalom onde se treinavam vários exercícios:

  • Tinman (homem de lata): deslizar pelos obstáculos com o corpo direito e os braços abertos;
  • Piss on the pole (literalmente mijar no poste): levantar o ski do lado do meco;
  • Hand granade (granada de mão): imaginar que temos uma granada entre as pernas e a língua das botas e pressionar as língua com as canelas para a granada não explodir (as minhas canelas começaram a doer);
  • Bounce (pular): chocalhar-nos todos, flectindo os joelhos enquanto contornamos os cones;
  • Ciclope: contornar os obstáculos com o corpo virado para a linha de queda.

E depois puseram uma corda no chão numa linha a unir todos os obstáculos e a coisa complicou-se!

No lado mais alto desta inacessível montanha colocaram outros obstáculos. Estes:

Objectivo: passar pelo meio dos postes verdes com o corpo levantado e contornar os laranjas pelo lado de fora. Parece super simples, mas não é. As curvas têm de ser feitas inclinado os braços pro lado oposto. Ou seja, se a curva é pra esquerda, é preciso esgueirar pra direita e apontar os dois braços pro lado direito. E vice-versa. E a neve escorrega. Muito!

E depois uma pessoa acaba com um meco no meio das pernas e ninguém faz nada pra ajudar. Ou a pessoa continua a deslizar e abalroa 3 mecos duma assentada até esbarrar num instrutor ou num colega e, mais uma vez, ninguém ajuda.

E ouve-se muita piada sobre gostar de paus e tar sempre a cair em cima deles e há muita risota à mistura!

E tenta-se outra vez. E a manhã passou-se assim.

(Ao almoço, as canelas doíam que se fartava. Quis tirar as botas mas tive medo que as pernas inchassem e nunca mais as conseguisse calçar)

Aguentei durante a tarde (passada a repetir os exercícios da manhã) até ser hora do Après Ski.

O Après Ski (literalmente, “depois do ski”) foi passado em Griesenau, na quinta. As regras determinam que uma pessoa não pode tomar banho até passar o Après Ski (que normalmente tem lugar na estância de ski). Daí que quem se quis livrar do cheiro a cavalo acabou brindado de gritos de “SHAME!” “SHAME!” pelo resto do povo quando voltou à sala de jantar.

E com um bife de veado no bucho e morta de cansaço terminei o dia a dormir como um anjinho.

Joana vai à neve: o início.

Tudo começou na cave do Ken.

Bem, começou um bocado antes.

No início de Outubro, o J., que me tinha recomendado o curso de ski, enviou um e-mail ao Ken.

O Ken respondeu com muitos e-mails sobre como adicionar o Ken aos contactos para os e-mails do Ken não irem parar ao spam. Depois mais e-mails sobre como participar na InfoEve (=sessão de esclarecimento) e quando será e quem está inscrito e em que sessão. E-mails sobre o material a comprar. Muitos e-mails a informar QUE O TAMANHO DAS MEIAS TEM DE SER PELO MENOS 1 TAMANHO ABAIXO DO QUE CALÇAMOS, SE NÃO AS MEIAS VÃO FAZER-NOS BOLHAS GROTESCAS NOS PÉS. E ninguém quer isso.

O Ken tem um método de ski: paralelo. E um método de comunicação: e-mail only. Nada do que se diga oralmente ao Ken fica gravado. Tudo tem de ser repetido por escrito. E por isso o Ken manda muitooooooos e-mails.

Até aqui, o objectivo desta intensiva troca de e-mails era apenas conseguir lugar numa InfoEve. E consegui.

Numa fria e áspera sexta-feira de Outubro encontrei-me reunida com outros aspirantes a esquiadores debaixo do relógio da estação de metro de Quiddestrasse (tal como o Ken tinha indicado no e-mail). E debaixo do relógio, estava um indivíduo de boné e com um ski pequeno nas mãos: era o Ken.

O Ken leu os nossos nomes duma lista. Várias vezes. Até estar toda a gente. Depois mandou os condutores (que tinham sido designados umas trocas de e-mail atrás) encostarem-se à parede e distribuiu-nos aleatoriamente pelos carros.

Siga pra casa do Ken! Um grupo pra sala, outro pra cave. O meu foi pra cave.

Começámos a experimentar botas de ski numa cave minúscula. As paredes cobertas de botas, o chão coberto de skis, bastões, dois bancos corridos onde nos encavalitamos uns contra os outros e todo o pouco espaço restante coberto de ferramentas, palmilhas, esponjas, línguas de botas, caixas, fita cola, pó e et ceteras. Rapidamente o ar saturado da cave se encheu de um eau de chulé pungente. Íamos experimentando botas e seguindo as indicações dos instrutores: a unha toca na ponta mas não pressiona? Consegues mexer os dedos mas o pé não desliza? Levantar o calcanhar mas sem levantar o pé todo? Quando finalmente toda a gente encontrou a sua botifarra de cinderela, escrevemos as 3 primeiras letras do primeiro nome e a primeira do último numa etiqueta amarela e colocamo-la horizontalmente na traseira da bota escolhida. O amarelo horizontal era a cor do nosso ano. E este era apenas um dos incontáveis processos do Ken.

Segunda parte: na sala do Ken.

O Ken explicou com funcionava o método de ski paralelo, deu-nos uma folhinha com os preços, datas, etc. e mostrou-nos vídeos dos exercícios do curso (a maior parte gravados no auge dos anos 90). Um era especialmente bom: o Ken a descer a montanha envergando um macacão de licra roxa, enquanto demonstrava os seus dotes de esquiador. Impagável!

De seguida, calçamos uns mini skis todos moles e aprendemos a cair. Cada um, à vez, amandou-se para cima dum colchão a desfazer-se (mais pó que esponja) com os skis nos pés, rodou até estar de barriga pra baixo com os pés a apontar para a encosta imaginária e levantou-se o mais graciosamente que pôde. Isto enquanto o Ken tirava notas da nossa performance.

Depois, ao som de Beach Boys, repetíamos os movimentos que o Ken demonstrava. Na sala do Ken um bando de adultos expatriados em Munique, desconhecidos uns dos outros até ali, dançava de skis nos pés ao som de “I Get Around“, enquanto tentava imitar as curvas naquela montanha fictícia de Neuperlach. Põe a música a tocar e imagina: https://www.youtube.com/watch?v=wREBD2og5iY

E já agora, este é o Ken: