Quando John F. Kennedy disse “Ich bin ein Berliner” ele disse também “Eu sou uma bola de berlim”*. E é isto que importa. Quem é que quer saber do muro?
E portanto, com este mote planeei uma salivante viagem à capital do reino com o único objectivo de degustar bolas de Berlim até ficar com dores de barriga. Mal eu sabia!
Não há bolas em Berlim.
Em lado nenhum.
Croissants, pretzels/brezeln, crocopretzels (já explico o que são) e a omnipresente currywurst abundavam. Em todas os cafés e botecos de estações de metro lá estavam eles. Bolas, nem vê-las. A única peregrinação que fiz a um café com bolas recomendadas acabou em fome. Já não havia bolas às 18h00. E pronto, agora vou contar-vos em que é que ocupei o resto do meu tempo.
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Tudo começou a 01 de Novembro, às 2h44 da manhã. Dia de Todos os Santos. Os santos iam ser necessários.
O despertador toca, o meu cérebro berra e eu grito “QUEM É QUE TEVE A BRILHANTE IDEIA DE COMPRAR UM VOO QUE SAI ÀS 6H30 NUM FERIADO, QUANDO JÁ HÁ MENOS TRANSPORTES PÚBLICOS E AINDA MENOS ÀS 4H?” Agora é demasiado tarde pra reclamar. Calo-me e resigno-me.
Faço uma via sacra de 10 minutos a mancar até à paragem do bus. Comprei umas sapatilhas novas que me arrancaram várias camadas de pele. Andar não é coisa que me apeteça muito agora.
O bus chega à hora certa. Pensei: “ah ao menos vou sugadita pra estação porque o bus vai estar deserto a esta hora”. Ahahahah! ou melhor MUAHAHAHAHA! O bus vai cheio de zombies e gente coberta de sangue. Ambas as tribos parecem estar cheias de sono e não incomodam ninguém. Menos mal. Não me apetecia nada ter problemas no controlo de segurança por me faltar algum membro. Pra não falar na maçada que é ficar sem um braço, como é que seguro a carteira?
Tento dormir no avião, mas a minha cabeça faz sempre um estranho efeito de pêndulo e não há maneira de uma pessoa conseguir dormir assim. Ainda por cima, estas low cost aldrabam que se farta a duração dos voos. Uma voo de 1h30 dura 1h. E não tarda nada estamos a aterrar em Tegel.
Levanto o meu Berlim Card e que comece a aventura! Primeiro destino: EastSeven Berlin Hostel. A zona do hostel é mesmo gira, passeio de pedra, árvores a ladear a rua. E como estamos no Outono, é só pedacinhos de amarelo e laranja no chão. Nada do que tinha imaginado para uma mega metrópole:

Às 9h30 há visita guiada. Mas antes é tempo de pequeno-almoço. Cappuccino e crocobrezel. Ora bem, o crocopretzel/brezel foi baptizado por mim. Em Munique chamam-se Brezel Hörnchen (=corno de pretzel ou preztel em corno…), em Berlim chamavam-se €€€££§@£ (não consegui perceber). É uma mistura genial entre pretzel e croissant francês, folhadinho, com sésamo em cima, Até eu que não gosto de sésamo fiquei fã do crocopretzel! O crocopretzel junta a crocância dum croissant com o salgado do pretzel e é a combinação perfeita. Até eu que não sou grande amante de preztels/bretzeln me rendi.

A visita. Para Brandenburger Tor!
Ajuntaram povo de 3 hostels e parecia uma convenção das Nações Unidas: Portugal, Canadá, Dinamarca, Reino Unido, Polónia, Rússia, Finlândia, Índia… gente de todo o lado.
Começamos a visita na estação de Friedrichstr. e seguimos por Unter den Linden. Unter den Linden significa literalmente debaixo das tílias. As que estão aqui agora não são as originais. O senhor de bigode achou que as árvores estragavam o efeito das paradas militares e mandou cortá-las.
No fim da avenida fica o famoso Brandenburger Tor.
by day by night
O “portão” de Brandenburgo foi construído no século XVIII. No cimo há uma quadriga guiada pela deusa grega da vitória, Nike (sim, a mesma das sapatilhas. Não não é a deusa das sapatilhas, por amor de deus!). Quando Napoleão derrotou os prussianos, usou o “portão” para uma marcha triunfal e, não satisfeito, levou a quadriga para Paris. Como se lá não tivessem quinquilharia que chegue! Óbvio que quando Napoleão foi derrotado, a quadriga voltou para Berlim. Cá se fazem…!
Perto do Tor estão muitas embaixadas, a de França inclusive. E uma pessoa pode perguntar-se: mas com tanto sítio em Berlim por que raio é que eles querem estar a olhar todos os dias para o símbolo duma derrota francesa? Bem, a resposta talvez esteja na fachada da embaixada de França:

Aquelas frinchinhas lembram qualquer coisa, não? Trincheiras talvez? Hmm, e as trincheiras lembram outra coisa qualquer, não é? Que subtil referência à derrota da Alemanha na 1ª Guerra Mundial! Ah nada como a arquitectura para uma tacada passivo-agressiva! Touché.
Perto do Tor fica também o Hotel Adlon. Pra quem se lembra, foi da janela deste hotel que Michael Jackson… Já se lembram? Se não, googlem. Este hotel tem uma história curiosa. Conseguiu sobreviver às últimas batalhas que se travaram em Berlim no fim da 2.ª Guerra Mundial, mas quase não sobrevivia aos festejos. As tropas russas entraram no hotel, enfrascaram-se todas com a garrafeira e um soldado russo bastante zeloso, atirou um fósforo pro chão que causou um incêndio e destruiu o hotel. Entretanto foi reconstruído:

O Memorial aos Judeus Mortos da Europa.
Passagem brusca, hã?
O memorial dá a impressão de um cemitério gigante. Visto de fora não se tem a noção da altura dos blocos, só quando começamos a caminhar, nos sentimos a afundar ou a subir, conforme o lugar onde nos encontremos. A intenção do arquitecto nunca foi revelada. O objectivo é que cada um faça a sua própria interpretação.
Debaixo dos “blocos” há um museu/centro interpretativo. Contém uma cronologia da “solução final”, cartas, entrevistas, esquemas de campos de concentração. Está tudo lá. Se achava que já tinha visto tudo sobre o Holocausto, estava enganada. Um bom lugar pra reflectir. Leve muitos kleenexes.
Uma curiosidade sobre o memorial: a empresa que fabricou a tinta “anti-grafitti” usada nos blocos foi a mesma que forneceu o gás para as câmaras dos campos de concentração. Quando a notícia veio a público, a empresa foi fortemente criticada como se pode imaginar: lucraram com a morte e iam lucrar com o memorial às vítimas. Eles acabaram por oferecer a tinta, mas o estrago estava feito.
A história é uma porca.
Próxima paragem: o Ministério das Finanças. Não, não foi por causa do resgate a Portugal! O edifício tem uma história muito curiosa. Durante o período nazi foi a sede do Ministério da Aviação chefiado por Hermann Göring. Mais tarde, durante a RDA tornou-se num dos edifícios-chave da administração soviética. O mural abaixo, criado nessa altura procura ilustrar o ideal socialista: os alemães do Leste, todos contentes na labuta, trabalhando juntos para um futuro feliz!
Em 1953 o edifício foi palco da revolta contra o Governo da RDA que envolveu mais de um milhão de alemães .
Em memória dos mortos durante os protestos foi colocada esta foto no chão à frente do edifício. Num só local, testemunho e marca de três passados distintos: ocupação nazi, ocupação soviética e a revolta do povo. Um lugar-comum de Berlim portanto!
Próxima paragem: o bunker.
O bunker é um parque de estacionamento e só há pouco tempo (desde o Mundial de futebol) é que há sinalização a indicar o local. As autoridades alemãs nunca quiseram dar muita importância ao local com receio que se tornasse num lugar de peregrinação. Pelo que vimos das coisas que se passam com alguma gente (cfr https://utopiasbolosasfatias.wordpress.com/2018/10/31/deixem-o-leite-em-paz/) era bem provável. Portanto, pare quem não sabe não passa de um banal parque de estacionamento:

Checkpoint Charlie.
No fim da visita, um dos pontos de passagem entre Berlim Leste e Berlim Oeste mas conhecidos. O Checkpoint C (O A, era Alpha, o B Bravo, C de Charlie) ficava no sector americano. Ruas cheias de turistas. Por todo o lado, montes de recuerdos dos tempos soviéticos. E até é possível pôr um carimbo da RDA no passaporte. Não é aconselhável fazê-lo no verdadeiro!
E dum lado e do outro, um soldado soviético e um soldado americano vigiam-nos do alto dos seus postos (e se calhar também, do fundo dos nossos facebooks e afins!)
Por esta altura, o meu corpo ameaçava começar a desligar-se. Cheia de fome, cheia de sono, só uma coisa me podia salvar:

Ramen.
Vocês também já devem estar cansados do post longo. Ide lá comer qualquer coisita e não percam o próximo episódio, porque nós também não!
*A bola de Berlim tem vários nomes pela Alemanha fora: berliner no Leste da Alemanha, kreppel em Frankfurt, krapfen no sul da Alemanha, pfannkuchen em Berlim…