ESTE POST É SOBRE UM LIVRO QUE EU NÃO FAZIA IDEIA QUE EXISTIA E PORQUE É QUE TODA A GENTE DEVIA LÊ-LO
Eu não fazia ideia que este livro existia.
As únicas coisas que tinha lido de autores japoneses foram o “Hagakure”, uma espécie de manual do samurai, a “Crónica do Pássaro de Corda” do Murakami (que, honestamente, não percebo) e recentemente ouvi falar de Mieko Kawakami mas ainda não li nada dela.
Graças ao curso sobre “Obras primas da literatura mundial” do edx descobri esta pérola e foi uma viagem no espaço (daquelas que por enquanto não podemos fazer) e no tempo (das que os livros e a imaginação sempre proporcionaram).
Sem sair da minha casinha viajei até ao Japão do séc. XI. E que viagem!

Kiritsubo, from the series Lingering Sentiments of a Late Collection of Genji https://collections.mfa.org/objects/190314/ch-1-kiritsubo-from-the-series-lingering-sentiments-of-a?ctx=9c25fb67-a9d3-4ccb-b3fd-63e850f55ec1&idx=5
O Japão antes dos shogun
Entre 794 e 1185 o Japão viveu aquele que foi considerado o seu período áureo, a era Heian. Um período de quatro séculos de paz até à consolidação da lei marcial (1185), que por sua vez, inaugurou a era dos senhores da guerra, dos shogun e que é talvez o período mais conhecido da história do Japão.
Durante estes quatro séculos, a cultura japonesa floresceu.
Baseando inicialmente o seu sistema de escrita nos caracteres chineses (kanji), os japoneses foram adaptando a pronúncia dos kanji de modo a poderem pronunciar os seus próprios sons e depois a escrita, de modo a poderem exprimir pensamentos e ideias que não cabiam nos caracteres chineses.
Com o desenvolvimento da escrita, a literatura conheceu o seu apogeu no séc. X. e desenvolveu-se uma forma poética original, o waka, poema de trinta e uma sílabas, usado pelos homens e mulheres deste período para exprimirem os seus pensamentos e emoções mais íntimos.
Exemplo de um waka do Genji:
"A bela imagem Da cerejeira dos montes Não deixa o meu espírito Embora lá tenha deixado Todo o meu coração"
A autora
Neste cenário, uma escritora da corte de Michinaga, escreveu o Genji Monogatari (“O romance do Genji”). O seu nome chegou-nos até hoje como “Murasaki Shikibu” mas esse era um dos cognomes atribuídos às damas de honor da corte imperial e não o seu nome verdadeiro.
De Murasaki sabe-se que viveu entre 973/978 e 1014/1031. Aprendeu a ler e escrever chinês graças ao preceptor do seu irmão – escutava as lições clandestinamente pois não era suposto as mulheres saberem falar chinês.
Casou com Fujiwara no Nobutaka, que a introduz na corte como preceptora da Princesa Akiko e graças ao seu talento, rapidamente se tornou na figura central de um círculo literário feminino.

A corte do Genji
A corte desta altura era um local privilegiado a cultura e para a arte. A literatura, a pintura, a caligrafia, a poesia preenchiam os tempos ociosos dos nobres. Era comum um homem apaixonar-se pela caligrafia de uma mulher antes mesmo de a conhecer e uma má caligrafia era tão má como um defeito físico!
Além de ter uma óptima caligrafia, esperava-se que um nobre fosse capaz de improvisar poesia. Por todo o Genji, há exemplos de verdadeiras “batalhas” de poesia, em que se espera que o interlocutor compreenda as referências do poema (a situações ou a outros poemas) e seja capaz de responder à altura.
Não ser capaz de responder com um poema de qualidade, especialmente numa situação de conquista amorosa, é uma desilusão para o interessado!
O Genji

O Genji (=”príncipe”) é filho do Imperador e de Kiritsubo (sua concubina).
Kiritsubo, dado a preferência que o Imperador lhe atribui sobre todas as outras damas da corte, rapidamente atrai os rancores de todas elas e morre quando Genji tem apenas três anos. (Morrer pelo ódio é um tema recorrente do romance).
Genji cresce na corte sob a protecção do Imperador. Excepcionalmente belo e dotado, capaz de compor versos admiráveis e escrevê-los numa caligrafia igualmente magnífica, todos o admiram e as conquistas amorosas sucedem-se.
A corte japonesa destes tempos é um mundo em que as relações amorosas são apenas do interesse dos intervenientes. Pode-se dormir com quem se quiser (incluindo a própria madrasta) desde que não se ofenda a hierarquia vigente (o que trará alguns dissabores ao Genji!).
Sucedem-se os amores e os affaires, pontuados com muita poesia, entrecortada por paredes de papel e auroras (e intrusos) que surpreendem os amantes.
As referências às estações do ano e à natureza são omnipresentes. Às flores típicas de cada estação do ano, ao orvalho, aos animais e às cores. (Em cada estação do ano deviam vestir-se determinadas de cores).
Estranhamente fica-se com a sensação de que tudo o que acontece, acontece suavemente, com grande delicadeza, sem grande alvoroço. E não é porque haja falta de acção.
Tudo se deve à poesia e à beleza da prosa de Murasaki, que conferem um véu diáfano que cobre todo o sofrimento e o embelezam ao ponto de se esquecer a dor e restar apenas a perfeição das palavras.
Conclusão:
5/5 *****
e ainda só li o primeiro volume. Quando souber o que acontece ao Genji volto para vos contar.
Até lá façam viagens pelos livros, pode ser que apareçam ideias de belas viagens para se fazerem fora deles!